quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Como 'comprar' uma noiva na África do Sul?


Estou sentado no meu carro, numa tranquila estrada no Soweto, impaciente.
Ao meu lado, o meu amigo Mpho conta piadas para tentar aliviar a tensão.

Lá fora, consigo ver uma longa fila de bungalows. Cada um tem um portão de aço e as paredes pintadas de forma brilhante. Nos caminhos impecavelmente limpos, há BMWs e Mercedes estacionados.

Hoje em dia grande parte do Soweto parece um subúrbio bastante acolhedor. Bem distante das batalhas anti-apartheid, entre 1970 e 1980.

O meu telemóvel toca. É uma mensagem de Bra Gugu. Um dos meus negociadores.

"Está tudo tratado", diz.

Começo a sentir um misto de alívio e adrenalina.

Depois Gugu e a equipa aparecem ao portão. Atrás deles, a silhoueta alta e magra de Kutlwano - a mulher que acabei de comprar. De acordo com os costumes locais, somos marido e mulher.

À maneira africana

Aqui, na África do Sul, chamam-lhe lobola ou bohali. Mas a tradição de pagar o dote pela mulher com cabeças de gado existe por toda a África.

Quando conheci Kutlwano, há dois anos, a tradição soou-me arcaica e, de alguma forma, degradante para as mulheres.

Mas percebi o quão importante é por estas bandas e o quão séria é vista.

Quando eu conheci a mulher com quem queria casar, percebi que tinha que fazer as coisas à maneira africana - e esperando conquistar o respeito da família dela.

Bohali não é um procedimento simples. É um processo longo, complexo e com muitas regras - que variam consoante a tribo e inclinações das famílias envolvidas.


Os noivos com a mãe de Christian e um dos seus amigo que fez o negócio

O meu primeiro dever era escrever uma carta ao pai dela, informando que a minha família tencionava visitá-lo.

Mas a carta tinha que ser escrita em língua soto do sul, pela minha mãe, que é inglesa e não fala uma palavra em soto do sul.

Inicialmente, o pai da Kut não estava inclinado a ceder. Mas lá concordou que a minha mãe lhe enviasse um e-mail, em inglês.

Ela disse-lhe que iria nomear uma equipa de sul-africanos para negociarem o casamento em seu nome.

Eu escolhi Bra Dan, um amigo que é da mesma tribo que a família da Kut. É um operador bastante inteligente e bom no trato com as pessoas.

Também pedi a um camaraman meu amigo, Gugu, e a outros dois colegas, Ezra e Connie - todos de tribos diferentes.

Preço elevado

Mesmo a Kutlano estava entusiasmada, mas também estava preocupada que a sua família exigisse um preço muito elevado por ela.

Ela é formada, linda e não tem filhos. Tudo isso eleva o preço a pagar. E as pessoas por aqui tendem a pensar que os estrangeiros brancos são ricos. (Coisa que eu não sou).

A Kutlwano falou em privado com a sua mãe. E tivemos a indicação de que não nos devíamos preocupar. O preço seria justo, e não baseado na minha nacionalidade.

Em Leicester, na minha cidade em Inglaterra, os casais de raças diferentes são banais. Mas na África do Sul são ainda bastante raros.

As pessoas ficam a olhar para nós se caminhamos em espaços públicos de mãos dadas, ainda que a maioria fique apenas intrigada.

Quando saímos para fazer compras, as jovens mulheres negras perguntam baixinho à Kut como conseguem conhecer homens brancos.


Amostra dos trajes usados na cerimónia

Aparentemente temos reputação de sermos dedicados e de tomarmos conta de quem gostamos.

A raça é ainda uma questão complexa na África do Sul. Mas percebemos que a maioria das pessoas são bastante abertas e calorosas.

"Vale cada uma das vaca"

Finalmente, foi marcada uma data para a negociação.

Do lado de fora da casa da Kut, a família dela deixou a minha equipa à espera propositadamente uma boa meia hora.

Uma táctica tradicional. Finalmente, eles entraram sem mim. Trocaram-se garrafas de whisky, e chegou-se a um acordo no preço de cada vaca.

Mesmo nas zonas sul africanas modernas e urbanas, a vaca continua a ser a unidade de negócio.

Depois começou a fase de propostas.

Na África do Sul, é considerada falta de educação falar abertamente sobre quanto custa uma mulher. Portanto, vamos dizer que custou-me um rebanho. E valeu casa vaca.

Mas ainda não chegámos ao fim da cerimónia do casamento.

Doze semanas depois, estou de volta à mesma rua do Soweto. Desta vez tenho colocado um chapéu em forma de candeeiro tradicional da região, tenho vestido um fato de linho branco e tenho calçadas sandálias castanhas. Não é o meu estilo habitual.

Danço desajeitadamente rua abaixo - o meu cortejo canta canções em soto do sul e ri-se da minha falta de jeito.

Toda a vizinhança está na rua, a cantar e a gritar palavras de felicitações.

Quando chego a casa da Kut, dirijo-me à parede onde estão várias pessoas encostadas à volta dela. Puxo-a da família dela para a minha, completando o ritual.

As mulheres gritam de alegria e os homens riem muito alto e mexem uma bebida caseira muito forte - Mqombothi.

É uma verdadeira recepção na township (aldeamento). E, de repente, sinto-me em casa.



Fonte: Christian Parkinson (...que se casarsa pelos costumes do soweto)
Correspondente da BBC no Soweto, 02/02/2011

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