quinta-feira, setembro 30, 2010

Mendicidade: O lado visível da pobreza urbana?


O índice de mendicidade na cidade do Maputo tende a crescer. Cada dia que passa novos efectivos que procuram viver graças a pessoas de boa vontade nas artérias da capital engrossam as fileiras de mendigos, num fenómeno social complexo e cujas razões são diversas, mas que todas parecem ter origem num problema que afecta a família, célula base da sociedade. As crianças, por exemplo, alegam que são maltratadas pelos pais ou parentes, enquanto os idosos dizem não ter ninguém em casa para lhes dar de comer ou que foram expulsos da convivência familiar sob acusação de feitiçaria. E os deficientes, esses, justificam a sua decisão de recorrer à esmola ao estigma e discriminação de que são alvos na própria família.

Nos últimos tempos a “jornada” dos mendigos, sobretudo às sextas-feiras, mobiliza inclusivamente famílias inteiras e idosos vindos de pontos distantes, como Boane e Manhiça, hoje facilmente ligados à capital por autocarros dos Transportes Publicos do Maputo (TPM), nos quais gente de terceira idade não paga. As autoridades do pelouro dizem que têm lançado iniciativas para que aquele grupo social receba as ajudas em locais decentes e chama à atenção à família e à sociedade para que assumam o seu papel.

Em nome da pobreza famílias carentes chegam a envolver-se na actividade, movimentando-se para a cidade, num exercício em que crianças e deficientes são muitas vezes usados como “isca” para sensibilizar os comerciantes e os automobilistas a darem esmola.

Em plena Avenida 24 de Julho a nossa Reportagem interpelou Aida Maolele, na companhia dos seus seis filhos. O mais velho, 16 anos, e o mais novo com apenas meses de vida.

Aida conta que gostaria de abandonar a vida que está a levar, pois reconhece que em nada dignifica a si e aos seus filhos, mas não tem outra alternativa de sobrevivência. Aurélio, o primogénito, não conhece o pai e nem outro membro da família se não a mãe e os irmãos.

Com destino à baixa da cidade, Aida deixa a casa às 6.00 horas na companhia dos filhos. Uma vez na cidade, a família desdobra-se pelas principais ruas da urbe e se junta ao fim da “jornada”, entre 13.00 e 14.00 horas, numa esquina previamente combinada. “Os mais novos andam comigo, mas os restantes três sozinhos, conseguindo cada um 150,00 a 200,00 meticais. Porque são rápidos, eles conseguem alcançar um maior número de lojas”, disse Aida Maolele, afirmando que Aurélio teve que parar de estudar quando concluiu a quinta classe. Os mais novos é que continuam a frequentar a escola.

Neste exercício, ao que apurámos, os mais novos conseguem amealhar mais porque são ágeis. Os idosos reconhecem esta desvantagem, mas dizem não ter outra alternativa senão enfrentar o desafio. Também criticam alguns comerciantes, alegadamente por lhes tratar mal. “Dão-nos pão seco, 50 centavos e às vezes cones de sorvete vazias. Noutras ocasiões formamos uma longa bicha e quando chegamos à porta dizem-nos que o pão acabou e corremos para outra loja”, disse Amélia Kefasse, que desde 2006 se dedica à mendicidade na cidade do Maputo.

Natural de Gaza, a nossa interlocutora veio à capital do país em 1990 devido à guerra, na companhia do filho. “O meu marido morreu vítima da guerra, num ataque, em Chibuto, Gaza, em 1989. No ano seguinte o meu filho me levou para Maputo, só que depois me largou para a África do Sul, de onde nunca mais voltou”, disse.

Amélia Kefasse vive no bairro Khongolote, numa palhota construída em solidariedade pela comunidade. Já cansada pela idade e doença, explica que gerou três filhos, dois dos quais morreram em Gaza. “Alberto é o único que ficou, mas também me abandonou, por isso não conto mais com ele”, lamenta, para depois explicar que deixou na sua terra natal duas irmãs, mas não sabe se continuam vivas.

A sua companheira de jornada, Altina Novela, contrariamente, nunca teve filhos e não conheceu na vida qualquer casamento. “Não tenho ninguém”, desabafa Altina.

As duas idosas, com mais de 70 anos de idade, reconhecem ser dura a vida que levam, mas dizem não ter outra alternativa. Durante a semana as duas “companheiras” se dedicam à recolha de restos de verdura nos grandes mercados, reservando as sextas-feiras para a esmola, uma ginástica que lhes rende 50,00 a 60,00 meticais por semana.

Elas ainda não são beneficiárias do subsídio de alimentos, embora estejam inscritas desde o ano passado no bairro onde vivem.

Amélia e Altina conheceram-se nas duras jornadas da busca da sobrevivência. Apanhavam quase sempre o mesmo autocarro dos TPM, onde viajam sem pagar, uma vez que a idade lhes confere esse direito.

Um outro idoso que vive à base de esmola é João Mandava. Este não sabe quando nasceu. Tronco curvado, Mandava faz um enorme esforço para acompanhar o passo largo dos “colegas”. A sua caminhada inicia às cinco da manhã, hora que deixa a casa, no bairro do Zimpeto. Na “boleia” dos Transportes Públicos de Maputo, o ancião chega à cidade por volta das seis horas.

Os pontos por si preferidos são as Avs. 25 de Setembro e Eduardo Mondlane, e conta porquê. “Há muitas lojas de indianos e eles tratam-nos muito bem”.

Mandava teve cinco filhos, mas todos desapareceram. “A minha esposa morreu e os meus filhos abandonaram-me para a África do Sul”, diz.

Os idosos lamentam estar a disputar as oportunidades com jovens, que são mais lestos, cobrindo muitas lojas em tão pouco tempo, sendo que quando os “madalas” lá chegam já não há nada.

As facilidades concedidas pelos TPM para os idosos, tendo em conta que não pagam, incentiva a alguns anciãos da Manhiça e Boane também a escalarem a capital para pedir esmola.
"Não tenho ninguém", Altina Novela


ESTAMOS LONGE DE SATISFAZER AS NECESSIDADES DESTE GRUPO

O DIRECTOR nacional da Acção Social, Miguel Maússe, descreve a situação de mendicidade no país como bastante preocupante. “A questão é que a gente vê os problemas, implementa soluções possíveis, mas estes persistem, o que nos leva a crer que a resposta passa necessariamente pelo desenvolvimento.

Disse que no dia em que o país tiver uma economia minimamente forte estará numa outra fase de poder garantir a distribuição de riqueza por todos, sublinhando que a mendicidade está associada ao nível de desenvolvimento económico do país.

Sobre o papel da Acção Social na assistência às camadas desfavorecidas, o nosso entrevistado disse que a sua instituição possui um conjunto de programas que têm como objectivo ajudar os mais necessitados, mas porque os problemas são muitos em relação aos recursos disponíveis o resultado pouco se vê.

Maússe explicou que o sector que dirige procura atingir um grupo específico, de que fazem parte as crianças. Primeiro, devido à idade, mas também aquelas em situação difícil, concretamente as que vivem na rua vítimas de violência e que precisam de amparo.

O nosso entrevistado disse também que neste grupo estão os portadores de deficiência, que muitas vezes são excluídos devido à sua condição física. Estes geralmente não têm acesso aos serviços e outros são mantidos fechados dentro de casa por familiares, que sentem vergonha de os ter.

Os idosos formam outro grupo prioritário. Estes têm sido vítimas de situações de violência e estigma, que se manifestam através de acusação de feitiçaria, expropriação de bens, violência física e psicológica.

Os outros grupos atendidos pela Acção Social são os tóxico-dependentes, reclusos, doentes crónicos e outras pessoas em situação de extrema pobreza. “Estes são os grupos alvos da área da Acção Social. A nossa responsabilidade é garantir que todos aqueles que trabalham em prol da assistência a estes grupos, em diferentes áreas, façam o seu papel, mas também temos a responsabilidade de garantir a assistência social, reintegração social, familiar e comunitária e de cumprimento dos direitos e de restauração da dignidade dessas pessoas”, afirmou.


IDENTIFICAR OS MAIS POBRES ENTRE OS POBRES

O MINISTÉRIO, através do Instituto Nacional de Acção Social (INAS), desenvolve vários programas, como o de geração de rendimentos e o subsídio de alimentos, para apoiar diferentes grupos de pessoas necessitadas.

O programa de geração de rendimentos está direccionado a pessoas incapacitadas para o trabalho. Cerca de 90 porcento dos beneficiários deste programa são idosos e 10 porcento deficientes. Atribui-se ao membro elegível 100 mil meticais, sobre o qual se adiciona 50 porcento do valor para outros membros, até o máximo de cinco membros, totalizando 350,00 meticais por mês.

Segundo Miguel Maússe, alguns idosos que andam pelas ruas às sextas-feiras recebem esse valor. O nosso interlocutor considera haver um esforço da parte do Governo para melhorar a situação desta camada social, indicando o acréscimo de 70,00 para 100,00 meticais do subsídio de alimentos.

“Continuamos a trabalhar com os parceiros e o Ministério das Finanças no sentido de se adaptar o subsídio à medida da alteração do salário mínimo, mas é preciso chamar atenção para o facto de que a economia do país não suporta este ajustamento, por isso não tem sido fácil tomar esta decisão”.

Moçambique tem cerca de 20 milhões de habitantes e, destes, milhão e oitocentos são idosos. O MMAS não possui o número exacto de idosos necessitados e vulneráveis, mas a verdade, segundo Miguel Maússe, é que não existe capacidade para assistir a todos os (idosos) necessitados. O subsídio de alimentos alcança apenas 178.458 beneficiários em todo o país.
Miguel Maússe


CENTROS COMUNITÁRIOS ABERTOS COMO SOLUÇÃO

OS centros comunitários abertos são uma estratégia adoptada pelo Governo em 2003. Estes dizem respeito à criação, dentro das comunidades, de locais onde as pessoas idosas e outras vulneráveis possam desenvolver actividades de geração de rendimentos, alfabetização, convívio, e acima de tudo trocar experiências de vida entre eles.

Pretende-se com estes centros que as pessoas que tenham algo, no lugar de oferecer na rua, canalizem apoios para estes locais.

É que os idosos deambulam pela cidade, formam longas bichas nas lojas para receber um pão seco ou 50 centavos (o preço do pão simples varia de dois meticais a sete meticais).

Neste momento equipas da Acção Social estão a trabalhar nas cidades e em bairros periféricos para fazer o levantamento de pessoas que se dedicam à mendicidade. A ideia é saber a que famílias pertencem e por que estão na rua. “Estamos também a dotar os centros abertos de meios para cativar este grupo”, indicou a nossa fonte.

Aquele quadro do INAS reconhece que algo falhou na implementação dos centros comunitários. “Falhámos na implementação da estratégia, porque em algum momento ficou-se na ideia de que os centros abertos eram locais para distribuição de comida e então houve um grande afluxo, até de pessoas que não eram elegíveis e assim não tivemos capacidade para responder à demanda”, afirmou, salientando que a situação obrigou ao encerramento do projecto em 2007 e para uma reorganização.

Os centros foram reabertos em Abril último, mas com uma nova estrutura, passando a ter um funcionário que está lá a tempo inteiro. Este garante o funcionamento diário do local. Antes os centros eram assegurados apenas por elementos da comunidade. “Agora, o sucesso do funcionamento dos centros não depende de nós, mas da mudança de mentalidade da sociedade, porque enquanto houverem pessoas que continuam a dar esmola nas ruas os mendigos vão primeiro escalar as rua e só depois é que irão aos centros abertos”, afirmou, indicando que o município tem também a responsabilidade de criar uma postura camarária que possa regrar a presença de mendigos na cidade-capital.

Fonte: ZOl, Quarta, 29 Setembro 2010 06:18

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário! Venha sempre.